Texto Bíblico: 2 Samuel 11.2,4,5,14-17 O Tempo de os Reis Saírem à Guerra Havia uma época específica em que os reis saíam à guerra? Mesmo que muito ligeiramente, é importante que tal ponto seja abordado, pois ele contém elementos que preenchem lacunas referentes ao contexto daquele período e fornece pistas para entender o que de fato ocorreu naquela tarde fatídica. Pelo que se infere, por razões extremamente locais e relacionadas ao clima, as guerras tinham datas para acontecer: “O profeta aproximou-se do rei de Israel e lhe disse: ‘Vai adiante corajosamente, mas pensa no que deves fazer, pois no ano que vem o rei de Arâm subirá para atacar-te’” (1 Rs 20.22 – TEB[i]). Assim, o texto bíblico é claro e óbvio a este respeito: “E aconteceu que, tendo decorrido um ano [após a última guerra], no tempo em que os reis saem para a guerra, enviou Davi a Joabe, e a seus servos com ele, e a todo o Israel, para que destruíssem os filhos de Amom e cercassem Rabá; porém Davi ficou em Jerusalém” (2 Sm 11.1), ou seja, é algo perfeitamente comum para quem lesse a narrativa à época. O que deve causar estranheza é exatamente o fato de Davi — um homem de guerra —, não ter ido ao combate, já que esse expediente era praxe e algo quase que protocolar para os reis. Autoconfiança? Cansaço? Desinteresse? O que fez com que o “homem segundo o coração de Deus” resolvesse ficar no palácio real? Evidentemente que, como já foi dito, não é o propósito de a narrativa enfatizar o pecado de Davi e sim o desenrolar do plano de Deus que culminará na Aliança Davídica,[ii] mas para o tema do capítulo, faz-se necessário discutir o assunto nesta ótica: [...] É óbvio que a Bíblia não entra em detalhes para descrever como foi o processo que culminou no desastroso ato, restringindo-se apenas a registrar a sua concepção, com o ócio do rei no terraço do palácio, e as conseqüências de tamanho lapso moral para um homem segundo o coração de Deus. Como somos apressados na análise da passagem e de seu contexto, a nossa tendência, geralmente, é achar que tenha sido um deslize fugaz, alimentado pela involuntária visão da mulher desnuda banhando-se à vista da casa real. “Foi fruto de um momento psicológico”, afirmou alguém certa vez. Mas uma leitura acurada do texto bíblico leva-nos a concluir que se tratou de algo muito além de um simples e despretensioso olhar.[iii] Tal conclusão não é fruto da criatividade do autor, mas o resultado de pesquisas acerca do contexto em que os fatos se desenrolaram, sendo, como disse na abertura do capítulo 4, um exercício imprescindível para todos que querem, de fato, ensinar a Palavra de Deus com seriedade e compromisso (Rm 12.7b; 2 Tm 2.15). A Decadência de Davi As mulheres dos súditos pertenciam aos reis? Se havia tal costume, é preciso lembrar que, enquanto para os outros povos o rei era um deus, para Israel a política era totalmente distinta e antagônica, pois o próprio Yhwh ditava as regras de como o líder da nação deveria se comportar (Dt 17.16-20). Nas prescrições incluía-se — como não poderia deixar de ser —, vetos em relação ao sexo oposto. Ademais, o rei de Israel deveria cumprir as ordens de Deus que, na realidade, era o real Soberano daquele povo (At 13.22). Assim, seguindo essa hipótese, só temos duas opções: ou houve consentimento de Bate-Seba e, nesse caso, muito provavelmente eles já flertavam, ou então o pecado de Davi foi ainda pior e também se configura como estupro. Geremias do Couto sustenta a primeira tese: Como percebeu Grant R. Jeffrey, a primeira coisa que salta aos olhos é o grau de proximidade entre a família de Bate-Seba e a corte palaciana. Tanto Eliã, o pai daquela mulher formosa à vista, quanto Urias, o marido traído, pertenciam à nata da elite militar de Israel, composta de trinta e sete oficiais que, certamente, cuidavam da segurança do monarca. Como tais, viviam o dia-a-dia palaciano. Deduz-se, a partir disso, que Bate-Seba não era uma ilustre desconhecida, mas com certeza freqüentava a casa real, principalmente em ocasiões solenes e festivas, conhecendo a intimidade da corte. Não é nenhum exagero de interpretação admitir que o rei já a vira outras vezes e, quem sabe, aí tenha nascido a lascívia em seu coração.[iv] À luz dessa perspectiva, fica mais claro o porquê de o casal adúltero ter tanta “facilidade” de consumar um ato em plena claridade do dia, dentro do palácio real, tendo Davi outras mulheres e filhos já grandes. Era muita tranquilidade para tamanho erro. O que será que levou Davi a quase perder a salvação, o reino e a família, em troca de alguns momentos de prazer carnal? Essas sim são questões que devem nos fazer pensar e refletir, pois muitas vezes caminhamos em direção a um abismo e perdemos totalmente a noção do perigo que nos cerca. A proximidade com o sexo oposto, seja no caso de líderes ou não, deve sempre ser marcada pela discrição, respeito e temor a Deus, pois, caso contrário, o desastre é certo. Geremias do Couto fundamenta ainda mais a sua posição defendida ao dissertar da seguinte forma: Outro ponto que importa, ao tecermos a cronologia do pecado de Davi, era o fato de Bate-Seba residir nas cercanias do palácio a ponto de ele, do terraço, ter condições de invadir visualmente a privacidade da mulher. É possível pressupor, sem forçar a narrativa bíblica, que eram residências oficiais destinadas àqueles que desfrutam da intimidade do poder. Mas, por último, como aconteceu comigo, você se surpreenderá ao descobrir que Bate-Seba era neta de Aitofel, principal conselheiro do rei, uma espécie de chefe da casa civil do governo.[v] Que ela tinha acesso às antecâmaras reais, não resta nenhuma dúvida. Assim, o raciocínio fica completo quando você acrescenta a última peça do quebra-cabeças: contrariando o costume de o rei acompanhar o exército nas operações de guerra, Davi preferiu permanecer no palácio, enquanto os seus soldados combatiam os amonitas. Para quê? Deduza você mesmo.[vi] É possível que, se o raciocínio acima estiver correto, o narrador não tenha nem se dado conta de que o banho da mulher e o fato de Davi não ir à guerra na verdade não são meros acidentes, mas uma trama para consumarem aquilo que eles já acalentavam. Assim, Geremias do Couto conclui sua argumentação: Em outras palavras, tudo leva a crer que o adultério do rei foi algo laboriosamente premeditado nos escaninhos da mente. Levou tempo para ser consumado. Tudo indica que o ócio no terraço e o banho simultâneo da mulher foram alguns dos ardis do plano, racionalizados para que o desfecho parecesse algo repentino e involuntário, do qual Davi pudesse afirmar não ter tido culpa alguma. Isto se torna ainda mais claro pelas medidas que tomou ao saber que Bate-Seba ficara grávida. Na maior cara-de-pau, tentou tapar o sol com a peneira, chegando ao cúmulo de ser “generoso” com Urias, oferecendo-lhe a oportunidade de afastar-se do calor da guerra e passar uma noite em casa com a esposa, na tentativa de prover “outra” paternidade para o bebê. Por fim, como a iniciativa não funcionou, teve o desplante de dissimular o homicídio de Urias para não passar à história como covarde. Só que a última palavra sempre pertence a Deus, que, na hora certa, desmascarou a atitude pérfida de Davi.[vii] É difícil confrontar tal posição, pois não são conjeturas. Incluso ainda nesse mesmo problema, está a verdade de que, do ponto de vista da Torá, nem sendo marido Davi poderia ter relações com Bate-Seba, pois o texto diz claramente que ela estava se purificando (2 Sm 11.2-4).[viii] Isso significa que, se Bate-Seba havia acabado de fechar o ciclo menstrual, por um preceito da Lei estava impedida até mesmo de entrar no palácio e de tocar em qualquer coisa (Lv 15.19-30). Mas o que causa perplexidade em toda a questão é exatamente o fato de Deus ter ordenado que o rei de Israel deveria transcrever num livro a Lei e estudá-la para que não viesse a cair em pecado ou infringir os mandamentos do Senhor (Dt 17.18-20). Isso mostra explicitamente que Davi era profundo conhecedor da Palavra de Deus, algo de que ninguém duvida, pois os seus próprios numerosos e belos Salmos sugerem isso.[ix] As Consequências do Pecado de Davi A lista daqueles que foram afetados diretamente pelo pecado de Davi é extensa: ele pecou contra Bate-Seba; Eliã; Urias; as suas sete esposas (Mical, Ainoã, Abigail, Maaca, Hagite, Abital e Eglá); seus filhos (Amnon, o mais velho; Quileabe, ou Daniel; Absalão; Adonias; Sefatias; Itreão; e Tamar — todos esses nasceram em Hebrom, mais ainda há outros que nasceram em Jerusalém — 1 Cr 3.1-9); as suas dez concubinas (com quem ele, inclusive teve filhos — 1 Cr 3.9); o profeta Natã; contra o seu próprio povo que o admirava (inclusive mulheres — 1 Sm 18.6,7); os 600 homens que se juntaram a ele quando da “peregrinação involuntária” no tempo de Saul — 2 Sm 22.2; 23.13; além de vários outros grupos (1 Cr 12.1-22; 1 Cr 12.38; 1 Cr 11.15-19); as nações (1 Cr 14.17 — neste caso particular, a repercussão foi tão negativa que o narrador registrou: “Mas, posto que com isto deste motivo a que blasfemassem os inimigos do Senhor” — 2 Sm 12.14, ARA); a Lei;[x] e o pior de todos ― Deus ―, algo que ele mesmo admitiu: “Pequei contra o Senhor” (2 Sm 12.13). Diferentemente do que alguém pode presumir, a confissão não ocorreu tão rapidamente assim. Deu tempo de ele saber que a mulher estava grávida, o que, provavelmente ela só pôde perceber, no mínimo, um mês depois (possivelmente por não ter ocorrido o próximo ciclo menstrual). Nesse momento, as coisas começam a se complicar ainda mais, pois Davi agora precisa “esconder” o mal feito. Assim, como todos conhecem a história, primeiramente há uma tentativa de fazer com que pareça que o filho é de Urias (2 Sm 11.6-13), tentativa frustrada, vem então o “plano B”, e aí o que já estava terrível fica sombrio, macabro e extremamente calculista: assassinar o soldado e ficar com a mulher (2 Sm 11.14-25). Assim, acreditando que o caso estava resolvido Davi, aguarda o período de luto de Bate-Seba e depois a recolhe como mulher, entretanto, o texto bíblico registra categoricamente: “Porém essa coisa que Davi fez pareceu mal aos olhos do Senhor” (2 Sm 11.27b). Flávio Josefo comenta que Deus olhou com cólera para esse ato de Davi e ordenou a Natã, num sonho, que o repreendesse severamente de sua parte. Como o profeta era muito sensato e sabia que os reis, na violência de suas paixões, consideram pouco a justiça, julgou que, para melhor conhecer as disposições do soberano, devia começar por falar-lhe docemente antes de chegar às ameaças que Deus havia ordenado.[xi] Uma das questões que fica pendente é: Por que Davi não sofreu as sanções da Lei? É possível que a “pena” para Davi tenha sido alternativa, pois Natã, após tomar as precauções colocadas por Josefo, preveniu-o acerca dos infortúnios que se seguiriam: “[...] não se apartará a espada jamais da tua casa”; “[...] tomarei tuas mulheres perante os teus olhos, e as darei a teu próximo, o qual se deitará com tuas mulheres perante este sol” e, finalmente “[...] o filho que te nasceu certamente morrerá” (2 Sm 12.10,11,14). Essa última sentença indica que a criança já havia nascido. Isso significa que, no mínimo, o pecado ficou “encoberto” por nove meses. Não considerando, claro, as hipóteses de que a criança possa ter nascido prematuramente, o que faria com que o tempo fosse menor, mas também dá margem à possibilidade de que a criança pudesse ter dez, onze meses, um ano ou até mais, não sabemos. Infelizmente, tal fato divide a vida de Davi em duas fases, assim como a unção também o fez. É provável que por cerca de vinte a vinte e cinco anos Davi tenha as sanções mais terríveis que se possa imaginar: filha violentada pelo meio-irmão; assassinato de meio-irmão para vingar a violência sexual de Tamar; usurpação do trono real por duas vezes e por dois filhos diferentes; filho que abusa das concubinas do pai enquanto este se evadiu (2 Sm 13―18; 1 Rs 1). Conclusão Todas as vezes que alguém quer justificar determinadas práticas improcedentes e ainda assim permanecer liderando ou aspirando liderança, apela-se para o exemplo de Davi. Entretanto, é preciso lembrar que os poucos momentos de prazer que o “homem segundo o coração de Deus” teve diluiram-se em muitos anos de dor, sofrimento e estigma. Mais do que isso, é imprescindível entender que Davi (mesmo tendo sido perdoado e, com certeza, um dos grandes homens de Deus) não se constitui em um referencial para os cristãos, antes, o referencial dos crentes é o Senhor Jesus Cristo (Ef 4.13). E é bom entender que Paulo se refere a Jesus quando Ele andou aqui na Terra, ou seja, plenamente humano, pois este é o propósito de Deus: que sejamos reposicionados originalmente ao estado em que Ele criou a humanidade ― algo que só é possível por intermédio de Jesus Cristo e seu Divino Espírito Santo (1 Co 3.18). [i] A nota desse versículo diz o seguinte: “Lit. Ao voltar o ano, i. é, ao voltar a primavera, que é o momento mais favorável para uma expedição militar. Cf. 2Sm 11.1”. Tradução Ecumênica da Bíblia. 3.ed. São Paulo: Loyola, 1994, p. 536. [ii] Uma das maiores provas disso é o pequeno livro de Rute. Seu propósito não é outro a não ser revelar a genealogia daquele que seria o maior rei de Israel. [iii] COUTO, Geremias do. A transparência da vida cristã. 1.ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2001, p. 103. [iv] Ibid., p. 103. [v] JEFFREY, Grant R. A assinatura de Deus. Bompastor, p. 259-261. Nota do autor: Ibid., p. 115. [vi] Ibid., p. 103, 104. [vii] Ibid., p. 104. [viii] O texto sugere, porém, que já haviam passado os sete dias necessários. [ix] Atribui-se a Davi a autoria de cerca de 73 Salmos. [x] “Embora tenha escrito que a ‘lei do Senhor é perfeita e revigora a alma’ (Sl 19.7) e que ela estava ‘no fundo do seu coração’ (Sl 40.8), Davi quebrou 40% do Décalogo de uma vez só. Em ordem cronológica, ele quebrou o décimo mandamento (‘Não cobiçarás a mulher do teu próximo’), o sétimo (‘Não adulterarás’), o nono (‘Não dirás falso testemunho contra o teu próximo’) e o sexto (‘Não matarás’). É por isso que ele usa duas vezes a palavra ‘transgressões’ no Salmo 32. Ele quebrou o nono mandamento no demorado esforço de manter as aparências e fazer tudo em segredo, às escondidas (2 Sm 12.12)”, Ultimato. Matéria: Contra quem Davi pecou. Ano XXXIX, número 303, Viçosa: Ultimato, novembro e dezembro de 2006, p. 28. [xi] JOSEFO, Flávio. História dos hebreus. De Abraão à queda de Jerusalém. 9.ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2005, p. 344. Acesse o blog do autor www.marketingparaescoladominical.blogspot.com |
sexta-feira, 20 de novembro de 2009
O PECADO DE DAVI E SUAS CONSEQUÊNCIAS
ORIGEM DA ESCOLA DOMINICAL
Fonte:ensinodominical.wordpress.comOs missionários escoceses Robert (1809/1888) e Sara Kalley (1825/1907) são considerados os fundadores da Escola Dominical no Brasil. Em 19 de agosto de 1855, na cidade imperial de Petrópolis, no Rio de Janeiro, eles dirigiram a primeira Escola Dominical em terras brasileiras. Sua audiência não era grande; apenas cinco crianças assistiram àquela aula. Mas foi suficiente para que seu trabalho florecesse e alcançasse os lugares mais retirados de nosso país. Essa mesma Escola Dominical deu origem à Igreja Congregacional no Brasil.
Hoje, no local onde funcionou a primeira Escola Dominical do Brasil, acha-se instalado um colégio (Colégio Opção, R. Casemiro de Abreu – segundo informações da Igreja Congregacional de Petrópolis). Mas ainda é possível ver o memorial que registra este tão singular momento do ensino da Palavra de Deus em nossa terra.
Houve, sim, reuniões de Escola Dominical antes de 1855, no Rio de Janeiro, porém, em caráter interno e no idioma inglês, entre os membros da comunidade americana.
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